O retorno de Martin Guerre.



O RETORNO DE MARTIN GUERRE.

Analisando o livro O retorno de Martin Guerre de Natalie Davis, juntamente com o filme, cujo título recebe o mesmo nome do livro, percebemos em suas produções, uma grande contribuição para a historiografia, uma vez que, como a própria escritora nos mostra, proporcionou-nos uma possibilidade de compreendermos, analisarmos e transmitirmos o passado de uma maneira diferente.

É sabido por muitos historiadores que as documentações referentes ao século XVI, são bem escassas, principalmente a temas relacionados ao cotidiano da vida dos camponeses; quando encontrados, geralmente eram revestidos ou representados através de comédia. Estas mesmas dificuldades foram encontradas por Natalie Davis. Porém, podemos dizer que ela é uma grande privilegiada, uma vez que, conseguira dar “vozes ao passado” através de pesquisas em arquivos, onde analisara: registros de processos criminais, registro das sentenças do Supremo Tribunal, contratos notariais etc. Para isso, Natalie Davis, utiliza um método investigativo “inovador” merecedor de enormes críticas no campo historiográfico, pois usa um método que podemos chamar de “conjectural ou hipotético”, pois recorre por diversas vezes à termos que reforçam a este método, a exemplo das expressões: “é possível que”,” não se sabe exatamente”, “acho que”, “creio que”, etc. Deixando subentendido que algumas informações podem ter sido criadas para dar sustentabilidade ao que era apresentado.
Quanto aos personagens Martin Guerre e Bertrand Rols podemos dizer que: são os personagens centrais do livro. O primeiro surpreende a todos por casar-se ainda bem cedo, provavelmente um costume da época, e por demorar a engravidar a sua esposa, motivo este  que serviu de zombaria para os demais habitantes da aldeia. Após roubar seu próprio pai, viu-se obrigado a desaparecer da aldeia, retornando anos depois, para acabar com a farsa de um usurpador. Bertrand Rols, esposa de Martin Guerre, era ainda uma adolescente (para os padrões de hoje), inserida numa sociedade rural, onde a população camponesa era desprovida de escrita, as relações familiares era muito intensa e que procurou de todas as formas manter a sua dignidade intacta, mesmo sendo considerada pela sociedade da época como um sexo muito frágil
É sabido que o século XVI é um século de grande significado para a história religiosa, uma vez que, ocorre em sua primeira metade à conhecida reforma protestante, causada pela insatisfação dos abusos cometidos pela igreja Católica, percebe-se claramente traços desses dois segmentos religiosos. Percebemos os traços do protestantismo na representação de Jean de Coras, simpatizante desta causa e que diante de tantos argumentos e da forma como o falso Martin Guerre se sobressaía, o fez acreditar que ele seria um homem digno de fé. Os traços do catolicismo são encontrados praticamente dentro de toda obra, ficando evidente nas leis cerimoniais do casamento, no reconhecimento público de Pansette (o falso Martin Guerre) que de fato ele era culpado e principalmente quando as pessoas diziam ser o falso Martin Guerre o próprio diabo, uma ideia muito fixa para aqueles que faziam “coisas” consideradas inexplicáveis.
Em relação à estrutura de funcionamento da justiça daquela época ou período, percebemos alguns sentenças incoerentes, pois em determinados pontos a autora da a entender que casos semelhantes ao de Martin Guerre ocorreram, porém, à sentença foi diferente. Quanto às fontes ou provas para ratificar alguma informação percebe-se que a grande maioria das provas eram orais, recorrendo sempre a utilização da memória. Ainda sobre este funcionamento da justiça, fica público e notório que algumas sentenças eram apenas de cunho moralizador, ou seja, para que casos semelhantes não voltassem a acontecer novamente.
Por fim, comparando o livro com o filme, podemos afirmar, que o filme é uma produção coletiva enquanto o livro é uma produção solitária, no filme ficou claro que não existia espaço para as dúvidas, os fatos eram concretos enquanto que no livro onde Natalie Davis, com seu método “inovador” deixa sempre algumas lacunas para os questionamentos, dúvidas e incertezas, ambas as obras tinham uma natureza histórica, pois procuravam reconstruir uma ambiência da França no séc. XVI. E assim podemos afirmar que ambos os trabalhos foram e continuam sendo de grande importância histórica, pois enquanto uma nos mostra um modelo de rupturas, a outra nos mostra que é possível que história e cinema andem ao lado da outra.

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