Sou griot. Meu nome é Djeli Mamadu
Kuiyatê, filho de Bintu Kuyatê e de Djeli Kedian Kuyatê, mestre na arte de
falar. Desde tempos imemoriais estão os Kuyatês a serviço dos príncipes de
Keita do Mandinga [o mesmo que Império do Mali]: somos os sacos de palavras,
somos o repositório que conserva segredos multisseculares. A arte da palavra
não apresenta nenhum segredo para nós, sem nós, os nomes dos reis cairiam no
esquecimento; nós somos a memória dos homens; pela palavra, damos vida aos
fatos e às façanhas dos reis perante as novas gerações.
Recebi minha ciência de meu pai, Djeli Kedian, que a recebeu igualmente de seu pai; a História não tem mistério algum para nós; ensinamos ao vulgo tudo o que aceitamos transmitir-lhe; somos nós que detemos as chaves das 12 portas do Mandinga.
[...] Os griots conhecem a história dos reis e dos reinos, motivo por que são os melhores conselheiros dos reis. Todo grande rei quer ter um chantre para perpetuar sua memória, visto que é o griot quem salva a glória dos reis, pois os homens têm a memória muito curta.
Os reinos têm o seu destino traçado, tal como os homens; só o conhecem os adivinhos, que investigam o futuro, cuja ciência dominam.
Nós outros, griots reais, somos os depositários da ciência do passado; mas quem conhece a história de um país poderá ler o seu futuro.
Há povos que se servem da linguagem escrita para fixar o passado; mas acontece que essa invenção matou a memória dos homens: eles já não sentem mais o passado, visto que a língua escrita não pode ter o calor da voz humana. Todo mundo acredita conhecer, ao passo que o saber deve ser algo secreto [os griots tradicionais são muito criteriosos ao transmitir seu saber por considerá-lo um segredo]. Os profetas não escreveram, e nem por isso sua palavra é menos viva. Pobre conhecimento esse que se encontra imutavelmente fixado nos livros mudos...
NIANE, Djibril. Sundjata
ou a epopeia mandinga. São Paulo: Ática, 1982 (adaptado).
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