“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
O direito de sonhar
Que tal se delirarmos
por um tempinho
Que tal fixarmos
nossos olhos mais além da infâmia
Para imaginar outro
mundo possível?
O ar estará mais
limpo de todo o veneno que
Não provenha dos
medos humanos e das humanas paixões.
Nas ruas, os carros
serão esmagados pelos cães.
As pessoas não serão
dirigidas pelos carros
Nem serão programadas
pelo computador.
Nem serão compradas
pelos supermercados
Nem serão assistidas
pela TV,
A TV deixará de ser o
membro mais importante da família,
Será tratada como um
ferro de passar roupa
Ou uma máquina de
lavar.
Será incorporado aos
códigos penais
O crime da estupidez
para aqueles que a cometem
Por viver só para ter
o que ganhar
Ao invés de viver
simplesmente
Como canta o pássaro
em saber que canta
E como brinca a
criança sem saber que brinca.
Em nenhum país serão
presos os jovens
Que se recusem ao
serviço militar
Senão aqueles que
queiram servi-lo.
Ninguém viverá para
trabalhar.
Mas todos
trabalharemos para viver.
Os economistas não
chamarão mais
De nível de vida o
nível de consumo
E nem chamarão a
qualidade de vida
A quantidade de
coisas.
Os cozinheiros não
mais acreditarão
que as lagostas
gostam de ser fervidas vivas.
Os historiadores não
acreditarão que os países adoram ser invadidos.
Os políticos não
acreditarão que os pobres
Se encantam em comer
promessas.
A solenidade deixará
de acreditar que é uma virtude,
E ninguém, ninguém
levará a sério alguém que não seja capaz de rir de si mesmo.
A morte e o dinheiro
perderão seus mágicos poderes
E nem por falecimento
e nem por fortuna
Se tornará o canalha
em virtuoso cavalheiro.
A comida não será uma
mercadoria
Nem a comunicação um
negócio
Porque a comida e a
comunicação são direitos humanos.
Ninguém morrerá de
fome
Porque ninguém
morrerá de indigestão.
As crianças de rua
não serão tratadas como se fossem lixo
Porque não existirão
crianças de rua.
As crianças ricas não
serão como se fossem dinheiro
Porque não haverá
crianças ricas.
A educação não será
privilégio daqueles que podem pagá-la
E a polícia não será
a maldição daqueles que podem comprá-la
A justiça e a
liberdade, irmãs siamesas
Condenadas a viver
separadas
Voltarão a juntar-se,
bem agarradinhas,
Costas com costas.
Na Argentina, as
loucas da Plaza de Mayo
Serão um exemplo de
saúde mental
Porque elas se
negaram a esquecer
Os tempos da amnésia
obrigatória.
A Santa Madre Igreja
corrigirá
Algumas erratas das
Taboas de Moisés,
E o sexto mandamento
mandará festejar o corpo.
A Igreja ditará outro
mandamento que Deus havia esquecido:
“Amarás a natureza,
da qual fazes parte”
Serão reflorestados
os desertos do mundo
E os desertos da alma
Os desesperados serão
esperados
E os perdidos serão
encontrados
Porque eles são os
que se desesperaram por muito esperar
E eles se perderam
por tanto buscar.
Seremos compatriotas
e contemporâneos
De todos o que tenham
A vontade de beleza e
vontade de justiça
Tenham nascido quando
tenham nascido
Tenham vivido onde
tenham vivido
Sem importarem nem um
pouquinho
As fronteiras do mapa
e do tempo.
Seremos imperfeitos
Porque a perfeição
continuará sendo o aborrecido privilégios dos deuses
Mas neste mundo,
trapalhão e fodido,
Seremos capazes
De viver cada dia
como se fosse o primeiro
E cada noite como se
fosse a última.
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