O mundo tal como nos fazem crer: a globalização como fábula
(...) Este mundo
globalizado, visto como fábula, erige como verdade um certo número de
fantasias, cuja repetição, entretanto, acaba por se tornar uma base
aparentemente sólida de sua interpretação (Maria da Conceição Tavares,
Destruição não criadora, 1999)
A máquina ideológica que sustenta as ações preponderantes da atualidade é feita de peças que se alimentam mutuamente e põem em movimento os elementos essenciais à continuidade do sistema. Damos aqui alguns exemplos. Fala-se, por exemplo, em aldeia global para fazer crer que a difusão instantânea de notícias realmente informa as pessoas. A partir desse mito e do encurtamento das distâncias — para aqueles que realmente podem viajar — também se difunde a noção de tempo e espaço contraídos. É como se o mundo se houvesse tornado, para todos, ao alcance da mão. Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade, a serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado.
Fala-se, igualmente,
com insistência, na morte do Estado, mas o que estamos vendo é seu
fortalecimento para atender aos reclamos da finança e de outros grandes
interesses internacionais, em detrimento dos cuidados com as populações cuja
vida se torna mais difícil.
Esses poucos
exemplos, recolhidos numa lista interminável, permitem indagar se, no lugar do
fim da ideologia proclamado pelos que sustentam a bondade dos presentes
processos de globalização, não estaríamos, de fato, diante da presença de uma
ideologização maciça, segundo a qual a realização do mundo atual exige como
condição essencial o exercício de fabulações.
O
mundo como é: a globalização como perversidade
De fato, para a grande maior parte da
humanidade a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. O
desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias
perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o
desabrigo se generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades como a
SIDA se instalam e velhas doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno
triunfal. A mortalidade infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e
da informação. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se
e aprofundam-se males espirituais e morais, como os egoísmos, os cinismos, a
corrupção.
A perversidade
sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade tem relação
com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente
caracterizam as ações hegemônicas. Todas essas mazelas são direta ou
indiretamente imputáveis ao presente processo de globalização.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000. (Adaptado.)
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