Fahrenheit 451 de Ray Bradbury é um clássico das distopias.
Bradbury criou um mundo que a princípio parece impensável mas aos poucos vamos
percebendo o quão próximo estamos de algumas de algumas situações descritas.
Bradbury nos apresenta
Montag – um orgulhoso bombeiro. No livro, a ordem natural foi invertida e
os bombeiros ao invés de apagarem incêndios – eles os começam. As casas são a
prova de fogo e os livros são inimigos e devem ser queimados – o Governo
defende a idéia dizendo que os livros atrapalham os pensamentos e a felicidade
dos cidadãos de bem. É como se as estruturas fossem invertidas e a polícia ao
invés de defender a população, existisse para matar (o que eles julgam ser) os
maus elementos (oh!! espere aí….)
Apesar de publicado na
década de 50, o livro retrata um mundo a partir de 1990 – ou seja, o que
conhecemos hoje. Um mundo na ficção com pessoas alienadas que falavam apenas de
“marcas de carros ou roupas ou piscinas.” (oh!!! espere aí…) O fato é que uma
vida sem livros deixou as pessoas sem base para criar idéias, sem assuntos para
conversas, sem motivos para interagirem.
O livro é dividido em
partes. A primeira parte é sobre o despertar da consciência de Montag que ao
conhecer sua nova vizinha Clarisse – que pegunta coisas que faz com que as
pessoas pensem – se assusta por ser algo incomum (perguntar e pensar). Clarisse
some tão rápido como apareceu, mas ao abrir os olhos para essa superficialidade,
Montag começa a perceber outros pontos horríveis da realidade em que vive. As
pessoas e os animais se tornaram máquinas (quase literalmente – a mulher dele
sofre uma overdose de remédio para dormir e os paramédicos trocam o sangue
dela. Na própria cama. Enquanto ele vê. Simples assim…).
Mas o ápice dessa parte
é a cena que leva a uma conversa sincera (até demais) entre Montag e seu
Capitão: ao checarem uma denúncia anônima, os bombeiros descobrem uma
senhora que guardava diversos livros e prefere morrer queimada com seus livros
do que se entregar para a polícia. Montag não apenas pega um livro escondido
como se sente muito mal com a decisão da senhora e tenta ajudá-la (duas coisas
proibidas). Na manhã seguinte, ele acorda fisicamente doente e decide que vai
abandonar o emprego.
O Capitão Beatty vem
procurá-lo e faz um dos melhores discursos que já vi em um livro. Tive
dificuldades em achar uma única parte para colocar como amostra grátis mas
vamos com essa:
“A escolaridade é abreviada, a disciplina relaxada, as filosofias, as histórias, as línguas são abolidas, gramática e ortografia pouco a pouco negligenciadas, e, por fim, quase totalmente ignoradas. A vida é imediata, o emprego é que conta, o prazer está por toda parte depois do trabalho. Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas?”
É nessa primeira parte
que também percebemos algo terrível: o Governo pode ter facilitado mas foram AS
PESSOAS que decidiram deixar de ler. Foram as pessoas, ao longo dos anos, que
foram deixando os livros de lado e dando mais valor para a programação na tv. A
tv – nessa nova realidade – é embutida na parede e as pessoas a chamam de
“família” mas mal conversam entre si.
Enquanto você recupera o
ar, a segunda parte começa com força total.
O fato é que Montag está
farto de não saber nada. Então, ele decide revelar para sua esposa um segredo
que poderia acabar com ambos: Montag tem roubado livros há algum tempo e já
acumulou uns 20 – inclusive uma Bíblia (livro totalmente proibido). E agora,
Montag quer entender o que tem ali só que apesar de ler e reler as passagens
ele não consegue entender o significado de nada – porque pensar não é um
exercício fácil.
A saída é procurar
ajuda. Montag se recorda de Faber – um ex professor que agora está (óbvio)
desempregado – e pede que o ajude a copiar os livros e garantir que outras
pessoas os leiam. Pede, também, que o professor o ajude a entender. Simples
assim. A segunda parte do livro é sobre Montag assumindo sua identidade duplas
mas percebendo que não se pode fugir para sempre das garras do Governo.
Na terceira parte, estou
tentando ao máximo não contar spoilers, Montag encontra um grupo de homens que
vivem à margem da sociedade – são ex professores, filósofos, estudiosos que
perderam qualquer tipo de função nessa sociedade hiper regrada e não pensante.
Mas a forma que eles escolheram de honrar suas devidas profissões foi
memorizando livros que consideram importantes. Cada um memorizou um livro e
Montag percebe que há muitos outros como eles. Para salvar os pensamentos, as
idéias, essas pessoas se tornaram portadores e contadores de histórias.
Eu fechei o livro e
instantaneamente ele se tornou um dos meus preferidos. A escrita é excelente,
clara e objetiva e até mesmo as partes mais descritivas – que costumam ser um
pouco chatinhas – demonstram um certo talento de Bradbury para envolver o
leitor. O conceito da história podia parecer absurdo em 1953 – a ponto de ser
classificado como ficção científica – mas hoje, não acredito que isso esteja
tão distante, lamentavelmente. No livro, o constante pavor do silêncio levou a
população a manter a tv ligada e o cérebro plugado na programação. É como hoje
onde quase tudo que existe para nos conectar também acaba nos distraindo do
mais importante: pensar e analisar o tanto de informação que temos.
Outra coisa interessante
é que o livro é dividido em 3 partes mas não segue a estrutura de um livro
comum. Exemplo, em qualquer livro você tem muita descrição no começo, para que
possamos imaginar as cenas e as personagens. Mas em Fahrenheit 451, a descrição
fica quase toda no final. É como se à medida que Montag abre seus olhos, ele
começa a VER as coisas de verdade e nós também. Uma bela construção para uma
bela história triste.
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