Por: Carlos Heitor Cony
Rio
de Janeiro - Zombavam de Diógenes. Além de morar num barril, volta e meia era
visto pedindo esmolas às estátuas. Cegas por serem estátuas, eram duplamente
cegas porque não tinham olhos -uma das características da estatuária grega.
Pela forma é que se penetrava na alma das estátuas, não pelos olhos.
Perguntaram
a Diógenes porque pedia esmola às estátuas inanimadas, de olhos vazios. Ele
respondia que estava se habituando à recusa. Pedindo a quem não o via nem o
sentia, ele nem ficava aborrecido pelo fato de não ser atendido.
É
mais ou menos uma imagem que pode ser usada para definir as relações entre a
sociedade e o poder. Tal como as estátuas gregas, o poder tem os olhos vazados,
só olha para dentro de si mesmo, de seus interesses de continuidade e de mais
poder.
A
sociedade, em linhas gerais, não chega a morar num barril. Uma pequena minoria
mora em coisa mais substancial. A maioria mora em espaços um pouco maiores do
que um barril. E há gente que nem consegue um barril para morar, fica mesmo
embaixo da ponte ou por cima das calçadas.
Morando
em coisa melhor, igual ou pior do que um barril, a sociedade tem necessidade de
pedir não exatamente esmolas ao poder, mas medidas de segurança, emprego, saúde
e educação. Dispõe de vários canais para isso, mas, na etapa final, todos se
resumem numa estátua fria, de olhos que nem estão fechados: estão vazios.
Pupilas
vazadas que nada olham. Ou que olham errado -como no caso de Maria Antonieta,
que sugeriu ao povo comer brioches à falta de pão.
Não
sei por que lembrei o cinismo sábio de Diógenes e o cinismo burro de Maria
Antonieta. Acho que têm a ver com um tipo de cinismo que nem é sábio nem burro.
É apenas um cinismo que só não é inútil porque é cruel.
Postar um comentário