A Entrevista que "teria salvado" a vida de Chico Mendes
No dia 9 de dezembro, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri (AC), Francisco Mendes Filho, o Chico Mendes, integrante do Conselho Nacional de Seringueiros e conhecido internacionalmente por sua luta ecológica, esteve no Rio para participar de uma mesa redonda intitulada Amazônia a Ferro e Fogo. Nessa ocasião ele concedeu uma entrevista ao JORNAL DO BRASIL, na qual prenunciava a emboscada que iria sofrer 13 dias depois, na sua fazenda em Xapuri, onde tombou alvejado por uma espingarda. Em seu depoimento, Chico Mendes denuncia que os irmãos Darly e Alvarinho Alves o ameaçaram de morte e mandaram assassinar mais de 30 trabalhadores rurais. Naquele mesmo dia, o deputado estadual João Carlos Batista, do Partido Socialista Brasileiro, declarou na tribuna da Assembléia Legislativa do Pará que estava sendo ameaçado de morte. Ele era advogado de posseiros e foi assassinado na noite do mesmo dia - era o sexto de uma lista de oito marcados para morrer. Seu depoimento póstumo saiu na edição do dia 18 do JORNAL DO BRASIL. As duas histórias guardam semelhanças brutais. Acompanhe a íntegra da entrevista de Chico Mendes.
Edílson Martins e Chico Mendes durante a gravação de documentário na floresta de Xapurí. (AC) |
JORNAL DO BRASIL - O que é um empate?
CHICO MENDES - É uma forma de luta que nós encontramos para impedir o desmatamento. É
forma pacífica de resistência. No início, não soubemos agir. Começavam os
desmatamentos e nós, ingenuamente, íamos à Justiça, ao Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal (IBDF), e aos jornais denunciar. Não adiantava nada.
No empate, a comunidade se organiza, sob a liderança do sindicato, e, em
mutirão, se dirige à área que será desmatada pelos pecuaristas. A gente se
coloca diante dos peões e jagunços, com nossa famílias, mulheres, crianças e
velhos, e pedimos para eles não desmatarem e se retirarem do local. Eles, como
trabalhadores, a gente explica, estão também com o futuro ameaçado. E esse
discurso, emocionado sempre gera resultados. Até porque quem desmata é o peão
simples, indefeso e inconsciente.
JORNAL DO BRASIL - Mas Isso fura às
vezes?
CHICO MENDES - Sim, o fazendeiro recorre a uma ordem judicial e, com apoio das forças
policiais, executa o desmatamento. Espero que com a nova Constituição esse
absurdo não prossiga. Mesmo assim, nosso movimento continuava crescendo, sem
prejuízo de grandes recuos. Já em 1980, esse movimento dos seringueiros,
movimento de empate, se generalizava por toda a região. Até aquele momento, a
luta era liderada pelo Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Brasiléia (AC). Era um homem comprometido com a defesa
da floresta e muito corajoso.
JORNAL DO BRASIL - Quer dizer que essa
luta começa em Brasiléia?
CHICO MENDES - Começa em Brasiléia. Só que, em 1980, o Wilson Pinheiro foi assassinado
dentro do sindicato, pelas costas, quando assistia a um programa de televisão.
Foi assassinado a mando de fazendeiros. Houve uma reunião dos fazendeiros, em
julho de 1980, em que ficou acertado que uma forma de barrar o movimento dos
seringueiros era matar as principais lideranças. Na noite de 21 de julho de
1980, Wilson foi fuzilado na sede de seu próprio sindicato. A nossa luta sofre
um grande abalo. Mas logo depois ressurge em Xapuri, que fica a menos de 100
quilômetros de Brasiléia. E Xapuri, via sindicato, começa a comandar todas as
nossas operações de resistência, e vale dizer resistência pacifica, mas
resistência. Quando conduzimos nossas famílias para o empate, deixamos
transparente que o movimento é pacífico. Ninguém vai pra guerra levando mulher
e filhos.
JORNAL DO BRASIL - Qual o balanço dessa
resistência em defesa da floresta?
CHICO MENDES - Bom, de março de 1976 até agora já realizamos 45 empates, sofremos 30
derrotas e tivemos 15 vitórias.
JORNAL DO BRASIL - O empate tem que
objetivo?
CHICO MENDES - Criar um fato político. Mais que isso: desapropriar a área e final-
mente criar a Reserva Extrativista.
JORNAL DO BRASIL - A Reserva
Extrativista é uma criação de vocês?
CHICO MENDES - Veja bem: até 1984, a gente realizava os empates, mas não tínhamos
muita clareza do que queríamos. Sabíamos que o desmatamento era o nosso fim e
de todos os seres vivos existentes na selva. Mas a coisa terminava aí. As
pessoas falavam: "Vocês querem impedir o desmatamento e transformar a
Amazônia em santuário? Intocável?". Estava aí o impasse. A resposta veio
através da Reserva Extrativista. Vamos utilizar a selva de forma racional, sem
destruí-la. Os seringueiros, os índios, os ribeirinhos há mais de 100 anos
ocupam a floresta. Nunca a ameaçaram. Quem a ameaça são os projetos
agropecuários, os grandes madeireiros e as hidrelétricas com suas inundações
criminosas. Nas reservas extrativistas, nós vamos comercializar e
industrializar os produtos que a floresta generosamente nos concede. Temos na
floresta o abacaba, o patoá, o açaí, o buriti, a pupunha, o babaçu, o tucumã, a
copaíba, o mel de abelha, que nem os cientistas conhecem. E tudo isso pode ser
exportado, comercializado. A universidade precisa vir acompanhar a Reserva
Extrativista. Estamos abertos a ela. A Reserva Extrativista é a única saída
para a Amazônia não desaparecer. E mais: essa reserva não terá proprietários.
Ele vai ser um bem comum da comunidade. Teremos o usufruto, não a propriedade.
JORNAL DO BRASIL - Quem aprovou a idéia
primeiro?
CHICO MENDES - Por incrível que pareça foi o exterior. Lamentamos que isso tenha
acontecido. Em 1987, em janeiro, recebemos uma comissão da ONU, em Xapuri.
Viram nossa luta. Já em março desse mesmo ano fui convidado a participar de uma
reunião do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Miami. Por que
minha presença ao lado desses banqueiros? Por que são esses bancos que com seus
financiamentos estão destruindo a Amazônia. Durante esse encontro fui
entrevistado seguidas vezes pela imprensa internacional. Não fui procurado por
um único jornalista brasileiro. Logo depois, fui ao Congresso e falei para os
congressistas americanos.
JORNAL DO BRASIL - Que denúncias foram
feitas?
CHICO MENDES - Os projetos financiados pelos bancos internacionais na Amazônia. Esses
projetos estão destruindo todas as formas de vida na última reserva verde que
sobrou na Terra.
JORNAL DO BRASIL - O governo de
Rondônia parece não gostar de sua atuação, que teria ajudado a suspender o
financiamento de um projeto de US$ 200 milhões por parte do Banco Mundial
(Bird). É verdade?
CHICO MENDES - O governo de Rondônia anunciou um projeto com mais de 1 milhão de
hectares para criação de reservas extrativistas. Tudo armação. Denunciamos.
Mandei uma carta para o Bird, alertando-o sobre a importância do projeto. A
partir disso, o empréstimo foi sustado.
JORNAL DO BRASIL - Rondônia foi violentada?
CHICO MENDES - A maior vítima de todos esses projetos de desenvolvimento. Nada similar
foi feito no mundo em termos de destruição em tempo tão curto. Terras férteis
transformadas em pastos, mata queimada, seringueiros expulsos. Um apocalipse.
JORNAL DO BRASIL - Quantas reservas
extrativistas já foram criadas no Acre?
CHICO MENDES - O governador já aprovou o São Luís do Remanso, 40 mil hectares; Santa
Quitéria, em Brasiléia, com 40 mil hectares, que já está se encaminhando; e o
Seringal Cachoeira, com 25 mil hectares, em Xapuri, na base da luta, do empate,
da resistência; e Macauã, em Sena Madureira, com mais de 50 mil hectares. Nós
não ignoramos que o governador Flaviano de Melo também recebe muita pressão dos
fazendeiros.
JORNAL DO BRASIL - O governador
Flaviano de Melo já foi ameaçado de seqüestro pelos madeireiros.
CHICO MENDES - Ele tentou regulamentar o desmatamento. Mexeu em casa de marimbondo.
Hoje há um corredor de fumaça que vai de Mato Grosso do Sul até o Acre. Isto
apenas nos meses de agosto e setembro. Este ano, em quase 50 anos de Amazônia,
nunca vi tantas queimadas. Estão incendiando tudo. Todos os aeroportos, durante
o ano passado, ficaram interditados durante uma semana. Este ano, essa
interdição foi além de um mês. A Amazônia, vista de cima, nesse período, é
fumaça só. E como dói.
JORNAL DO BRASIL - Você já ganhou duas
comendas?
CHICO MENDES - O Prêmio Global 500, da ONU, e uma medalha da Sociedade para um Mundo
Melhor, em Nova Iorque. Além de uma na Inglaterra e outra nos Estados Unidos.
JORNAL DO BRASIL - Com prêmios e
reconhecimento internacional, você então seria um cadáver delicado?
CHICO MENDES - Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria
fortalecer nossa luta até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o
contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a
Amazônia. Quero viver.
*Jornal do Brasil, 25/12/1988
Que tal você assistir agora um documentário sobre a vida deste ativista?
1 Sobre
o contexto da entrevista, responda.
a) Quando o texto foi publicado?
b) Quando a entrevista
foi publicada, Chico Mendes ainda estava vivo?
2. Sobre os “empates”, responda.
a) O
que era e como funcionava o “empate”?
b) Qual
era o objetivo do “empate”?
Analise e interprete
3. Explique o que o entrevistador quis dizer ao perguntar “Com
prêmios e reconhecimento internacional, você então seria um cadáver delicado?”.
4. Compare o número de reservas mencionadas no texto com as
existentes hoje em dia, indicadas no mapa da página anterior. Ele aumentou ou
diminuiu?
5. Você acha que a luta de Chico Mendes teve alguma influência
na atual situação das reservas extrativistas? Por quê?
Vem comigo que você não se perde. Obrigado por sua visita ao nosso blog.
Texto disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/11/entrevista-que-teria-salvo-vida-de-chico-mendes.html. Acesso em 11 de agosto de 2020.
(1)
ResponderExcluirA)25/12/1988
B)Não
(2)
A)É uma forma de luta que eles encontraram para impedir o desmatamento. É forma pacífica de resistência.A gente se coloca diante dos peões e jagunços, com nossa famílias, mulheres, crianças e velhos, e pedimos para eles não desmatarem e se retirarem do local.
B)Criar um fato político. Mais que isso: desapropriar a área e final- mente criar a Reserva Extrativista.
(3)Ele quis fazer uma forma de ironia falando que por todas as suas lutas e ajudas Francisco seria um cadáver chique
(4)
(5)
Postar um comentário